À descoberta da Malásia, primeira paragem: George Town


Salta – pára quando estiveres lá em cima -, guarda esse momento em que os pés não tocam o chão, esse em que estás suspensa no ar – que te segura sem te prender. Sabes quanto vale esse momento?

Não digas nada, ouve. Olha-te e ouve-te aí, nesse lugar onde dizem ser impossível estar – a pairar –, és gargalhadas, soltas e livres, a atravessar o tempo, a brincar com a lei da gravidade.

Estávamos as duas: lá em cima; asas nos pés; em gargalhadas arrancadas de dentro para fora. Estávamos nesse lugar da Malásia, George Town, a capital da ilha de Penang, desde 2008 declarada Património da Humanidade pela Unesco, como reconhecimento do esforço de preservação de uma ‘arquitectura e cultura únicas e sem comparação no este ou sudeste asiático’ e em 2010 é classificada pela ECA como a oitava melhor cidade para se viver na Ásia. Nós confessamos: podíamos fazer parte dos seus habitantes durante algum tempo.

O tempo foi o mais húmido que até aqui havíamos experimentado. Os cabelos andavam sempre molhados, os corpos transpirados, era difícil respirar. De noite era difícil dormir, o calor não deixava, ligavam-se as ventoinhas e o calor já deixava mas o barulho não deixava e, de manhã, bem cedo, ainda que o calor tivesse acalmado, as ventoinhas desligadas, a vida que tinha acordado do lado de forma quase nos obrigava a sair da cama, para fazer parte. Saímos e fomos.

Street Art
Há uma energia contagiante pelas ruas, que se manifesta até aos muros, que trocaram o cinza pela arte. Em 2012, durante o festival de George Town, foi pedido a Ernest Zacharevic que pintasse alguns muros, num deles o famoso ‘kids on bicycle’. Depois disso, outros artistas têm contribuído para a actual popularidade da arte de rua em George Town. Entre os mais famosos temos os: Kids on bicycle, old motorcycle, brother and sister on a swing, The indian boatman, Bruce Lee, Kung fu girl, cats & humans.
Foi na Armenian Street que se iniciou esta manifesto de arte, mas actualmente já se espalhou por muitas transversais e perpendiculares. Aos murais pintados juntam-se as cerca de 52 esculturas de ferro que se pretendem ‘vozes do povo’ e foram atribuindo mensagens humorísticas aos muros e paredes outrora calados.

Nós passeamos-nos por estas ruas, entretemo-nos entre palavras escritas a ferro e pinturas que trazem vida ao cimento, a Mia queria falar com os meninos ali retratados, queria subir para a bicicleta dos ‘meninos na bicicleta’, entrar para o barco do ‘senhor indiano’, brincar com o gato ‘skippy’ e andar de baloiço com os ‘irmãos do baloiço’. Aqui sentou-se no baloiço de madeira e soltou as mesmas gargalhadas que podemos imaginar ao olhar para a menina ali pintada. Mas além destes, mais famosos e assinalados no mapa que todos os hotéis distribuem aos seus hóspedes, tivemos a sorte de descobrir outros, que parecem estar escondidos dos olhos dos turistas.
Foi aqui que ela descobriu essa menina-flor, foi aqui que: depois de se tentar aproximar dela; de lhe fazer festas e cócegas; de a chamar para brincar com ela; ao olhá-la, atentamente, disse
– Mamã, ela está triste.
– Por que dizes isso, Mia?
– Porque ela tem triste nos olhos.
– Achas que podemos ajudar, Mia?
– Sim, vamos dizer-lhe: Fica feliz menina flor.
– Achas que ainda podemos ajudar mais Mia.
– Sim, dizemos: Amo-te ao coração dela.

A riqueza e diversidade: arquitectural, cultural, gastronómica
Sente-se a mistura entre o ocidente e o oriente, a história assim o ditou, está na comida, na arquitectura, pelos rostos que passam nas ruas, que ocupam as casas: a ocupação inglesa deu-lhe o ar de cidade colonial, a torre do relógio – Queen Vitoria clock tower – continua lá, para lembrar os mais distraídos. E a este juntam-se, na zona mais antiga da cidade, a câmara -citty hall – e o forte Cornwallis. Mas para lá da presença britânica, os estilos arquitectónicos somam-se: chinês, indiano, peranakan, birmanês, entre outros.
George Town é também conhecida como a capital gastronómica da Malásia, numa espécie de caldeirão gigante onde se juntam influências malaias, indianas, tailandesas, chinesas, peranakanas e europeias. E à mescla de sabores junta-se o seu baixo custo.
Pela cidade espalham-se as economy rice e food courts, praças de alimentação onde estas várias especialidades são cozinhadas em cozinhas tão pequenas que quase apenas têm fogão e cozinheiro, do lado de fora uma espécie de banca de venda, estas bancas separam-se por especialidade e países, fora delas, ao centro, espalham-se as mesas e cadeiras. Nestas food courts podemos, na mesma refeição presentear o palato com um pouco de Tailândia, China, Malásia, Índia e até Europa. E foi numa delas que eu vi o meu avó, num rosto malaio, como aqui vos contei, lembrando que não importa o quão longe estamos dos nossos, trazemos sempre connosco os que nos ocupam o coração.
Numa das noites, saídos do jantar na little India, começou a trovejar e a chover, a chover muito, quando encontramos um abrigo, numa paragem de autocarro, já não havia nada em nós que a chuva não tivesse tomado e ainda estávamos a meio do caminho. Foi nesse momento que uma voz acolhedora nos convidou a entrar. Não conhecíamos – nem a voz nem quem a trazia – não lhe conhecíamos a casa, mas independentemente do lugar onde estamos, não precisamos de conhecer nada disto para reconhecer algo bem mais importante: a vontade de ajuda ao outro, a hospitalidade, o bem receber.
Já dentro foi momento de encontro e partilha, foi aqui que conhecemos mais uma família viajante os The GrassVan,        quando o Toby e a Carolin partiram , em 2011, eram apenas os dois, hoje continuam ainda em viagem e passaram a ser 3, o pequeno Max, nascido em 2014 veio fazer deles esta família viajante cheia de histórias. Enquanto lá fora a trovoada continuava a abanar o mundo, nós trocávamos histórias do mundo e a Mia fazia um oceano inteiro sobre um banco de madeira.

George Town é um lugar especial.

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Se estiver em Penang vá também a :

Penang Hill (Bukita Bendura)
Se estiver em Penang, vá ver a cidade de cima. Nós subimos de funicular, lá em cima dividimo-nos entre o parque e o templo, e só quando olhamos com alguma distância percebemos o privilégio que é ter, sob o alcance dos olhos, em simultâneo, a Mia a brincar no escorregão e a riqueza – em cores e detalhes – de um templo budista.
O calor pediu um intervalo e houve quem o preenchesse com um gelado.

Kek Lok Si Temple
É o maior templo budista no sudeste asiático. Há um shopping que se estende ao longo de um túnel que parece não ter fim, porta sim, porta sim, temos a mesma oferta: souvenirs sob todas as formas possíveis.
No templo voltamos às fitas que desejam coisas boas, como noutros templos, noutros países. Escolhemos a cor em função do desejo, continuamos a subir e lá está, a razão que leva tantos àquele lugar a Estátua Kuan Yin – deusa da misericórdia.
A Mia quer repeti-la nos gestos da mão, ficamos a tentar, até ela se lembrar que, não podendo abraçar a Kuan Yin, por estarmos impedidos de subir e pela grandiosidade da obra, foi abraçar, beijar e conversar com os cães-estátua que o jardim tinha.

 

 

 

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