[Não baptizamos a Mia, por opção. Ainda antes de sermos pais já havíamos decidido que quando o fossemos não escolheríamos a religião dos nossos filhos. Não o fazemos porque entendemos que não temos o direito de escolher por ninguém, porque entendemos que se há algo que deve ser escolhido em pleno exercício de autodeterminação e em livre consentimento: é a religião].
Até chegarmos aqui, atravessámos muitos templos. O cheiro intenso a incenso, os rituais de rezas, a harmonia dos gestos desconhecidos, as nuvens de fumo-incenso. Do Lama temple aos templos de Angkor. Sempre de olhar atento ao outro, na vontade de o ver. A Mia viu connosco, pelos seus olhos.
Sabíamos, desde o primeiro dia, que Menina Mundo implicaria também esta exposição às várias religiões do mundo, às diferentes formas de orar, os diferentes rituais, às diferentes crenças, às diferentes figuras adoradas, às diferentes instituições físicas.
Nunca pretendemos que, nos seus dois anos, ela percebesse o que estava a acontecer, em cada um desses locais que fomos visitando (é um entendimento que não é para hoje), mas fizemos questão de a expor a esta diferença porque ao fazê-lo estamos a fazer nascer nela o conhecimento da sua existência e com este o respeito e a aceitação pela mesma.
Pela Goa Velha, ela conheceu as igrejas, e a porta de entrada foi uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo – estávamos diante da Basílica do Bom Jesus, considerada Património da Humanidade pela Unesco. A sua construção iniciou-se no final do séc. XVI, e ainda hoje é lugar de peregrinação, sobretudo pelo túmulo de São Francisco Xavier, o Apóstolo do Oriente, não é por acaso que assim lhe chamam, a Igreja Católica Romana acredita tratar-se do apóstolo que mais pessoas converteu ao Cristianismo. Por fora, veste laterite, sentámo-nos nela, juntamos famílias – a nossa e as que por lá passavam – em retratos que contam o encontro. A Mia jogou às escondidas, aproveitando as minhas pernas para esconder sorrisos tímidos de primeiro encontro.
Daqui seguimos para a Igreja de São Francisco de Assis. Na verdade trata-se de uma igreja e um convento, construídos pela Ordem Franciscana, a primeira a instalar-se em Goa. O objectivo era o de facilitar a acção missionária. A igreja é uma das mais antiga igrejas ainda em pé em Goa Velha e foi a pé que nos fizemos ao caminho e assim nos cruzamos com as meninas da escola que faziam um piquenique depois de visitarem a basílica.
Dentro temos uma nave abobadada, capelas laterais, inscrições e brasões que crescem do chão. E por todo o lado, pinturas que narram a vida de São Francisco de Assis. Fora, entre a construção primitiva (concluída em 1521) e a sua reedificação, 140 anos mais tarde, sofreu grandes alterações arquitectónicas, do estilo manuelino apenas resta o portal de pedra escura.
Abaixo da Igreja principal está uma pequena capela, que conserva a arquitectura original, passe também por lá. Nós trocámos sorrisos com a senhora simpática que nos recebeu e mostrou à Mia os pássaros que entravam e saiam pela janela aberta, esvoaçando bem perto da tecto.
Em templos ou igrejas, em cada um destes lugares de crença religiosa, o seu comportamento foi-nos surpreendendo. Muitas vezes ela se sentou: numa calma que não é a sua; se calou: num silêncio que não é o seu; observou: rituais de uma religião que lhe é tão desconhecida quanto qualquer outra. E o seu entendimento foi muito além do que havíamos imaginado, como quando nos disse, após acompanharmos o alms-giving pelas ruas de Phnom Penh: ‘são os meninos de cor de laranja, eles são muito importantes’. Esta exposição, entendemos, constituiu uma das mais valias desta aventura, para que um dia, quando ela achar que é o momento, num ato livre, consciente e consentido (e com sentido) escolha a sua religião, se assim o entender.
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Se estiver em Goa, não perca a possibilidade de visitar este conjunto de monumentos religiosos localizado em Goa, declarado Património Mundial desde 1986.
Obrigada por partilhar conosco essa viagem fabulosa.