Em breve partilharemos convosco a nossa consulta do viajante, que quase poderíamos dizer tratar-se de uma consulta para não viajares! Entretanto chegamos ao Santini (sim, finalmente abriu no Porto esta gelataria artesanal): eu sentada, de água na boca, o papá na longa fila e a Mia a dormir, encostadinha a mim.
Recuemos uma horas antes, a Mia adormeceu depois do almoço, no embalo do sling e dos passos; o sol trouxe-lhe a moleza que só ele sabe. Nós, no tempo desta soneca, percorremos – em passos e conversas de namorados – as ruas do nosso Porto; do jardim de São Lázaro descemos Mouzinho da Silveira e percebemos que, por estes lados, o São João já causa azáfama, com barraquinhas que vendem manjericos de vários tamanhos e fitas suspensas a colorirem as ruas (prometemos lá voltar no dia dos martelos, do alho-porro e das sardinhas com broa). Atravessamos a Rua das Flores – (re)apaixono-me sempre que lá passo – e eis-nos chegados ao Largo dos Lóios, lá esta a Santini, e lá estamos nós: eu estou sentada, como vos disse (e ainda de água na boca, à espera de um gelado que ainda é só promessa) e a Mia ainda a dormir, ou não vos estaria a escrever daqui.
E é aqui, neste compasso de espera, que lembro que hoje, ainda não eram 11horas, a Mia já tinha ganho um novo amigo: o João. O João já viveu cerca de 60 vezes o tempo que a Mia tem. Ele parou para a olhar e ela parou e olhou-o de volta, quis saber o seu nome e partilhou connosco a tristeza de não ter tido filhos: ‘… quando vim do ultramar já não casei, deus decidiu assim’. A Mia parece ter gostado do Senhor João e do seu chapéu, enquanto se olhavam ele falava dos meninos e meninas que via crescerem no bairro que habita, e havia na sua voz algo de tão familiar. Eu nunca tinha visto o Sr. João antes, não me era nada, mas trazia nas palavras (e voz) o aconchego de quem traz amor pelos (e aos) outros: quando falava dos filhos (e netos) dos outros falava como se fossem um bocadinho seus.
E eu senti que hoje a Mia também foi – também – a neta que o Sr. João não teve, filha dos filhos que o Sr. João não teve. E, gosto de pensar, que o Sr. João deixou (hoje) os portões do jardim de São Lázaro menos vazio, preenchido por ela e por tudo o que traz em si. E imagino que – carregado com o amor que lhe dedicou – tenha entrado em casa mais leve que nas outras manhãs.
Que texto maravilhoso!
A inocência de ambos na foto, faz-nos logo pensar que a infância e a velhice apesar de antagônicas se assemelham em fragilidade e uma certa melancolia.
Haverá tantas pessoas assim solitárias, a quem um simples sorriso se torna num motivo para querer viver de novo amanhã, ainda que o amanhã posso ser um dia de solidão.
A foto está maravilhosa! E mais uma vez as palavras são tão delicadas que nos comovem.
Beijinhos grandes
Raquel, obrigada pelas palavras, a foto foi repentina (e tirada com o telemóvel) como as palavras que escrevi, talvez porque a emoção assim o exigiu. E que bom saber que isso chegou a quem conheceu o Sr. João através do meu texto.
Obrigada, ainda, por me ter abordado hoje na faculdade. E sim, lembrava-me de si!
Um beijinho.
Estou a gostar cada vez mais de ler o que escreves. Lindo! Parabéns.
Filipe, obrigada pelo feedback :), e o peso que isso tem vindo daí!
Beijinhos.
Nunca tinha lido nada no seu blog, engraçado eé ler este post no dia de hoje com o que nos aconteceu.
Pessoas especiais espalhadas em cada canto.
Beijinhos
Juliana, basta estarmos abertos para o receber, o mundo está cheio de gentes, locais e encontros maravilhosos. Um beijinho.