– E se aprendêssemos a ler o céu?
– Ler o céu?
– Sim, à noite, quando o céu estiver bem escuro.
– Mas à noite? No céu escuro, o que há para ver?
– Vamos ser pacientes e esperar que a lua vá dormir. Nesse momento as ursas ganham coragem e deixam-se ver.
– Ursas no céu, mamã?! Ah ah ah!
– Sim, há uma maior e uma menor.
– Como mãe e filha?
– Sim, mais ou menos, e são elas que nos levam até à estrela mais importante.
– Qual, qual?
– A estrela polar.
– Quero ver, quero ver.
E foi assim: há meia-noite de sábado, encontro marcado com o José Matos, professor de astronomia da Universidade de Aveiro, num dos pontos altos de Mirandela.
No início era só a lua. Grande. Depois ela foi desaparecendo e as estrelas iam perdendo a timidez. Os nossos olhos seguiam o ponteiro laser do José – quais gatos ou expectadores de um jogo de ténis. Apresentou-nos a Ursa Maior, as suas quatro estrelas, no quadrado imperfeito que formam e a sua cauda. A Ursa Menor, mais envergonhada, só se deu a conhecer aos mais persistentes, e lá estava ela, na sua ponta e indicada pela ursa maior, a Estrela Polar: essa que nos indica sempre o Norte.
– Consigo ver! – Diz a Mia, sem qualquer resguardo no entusiasmo.
As primeiras navegações no Mediterrâneo tinham a Estrela Polar como referência e apesar do método rudimentar, era já uma dependência das estrelas na navegação. E, consta-se que os navegadores portugueses, quando se aventuraram pelos mares, foram pioneiros na verdadeira navegação astronómica, usando os astros de modo científico, num método que ainda hoje usamos, se bem que com a natural evolução dos instrumentos e métodos de cálculo.
Isto de ler os céus e as estrelas não é, portanto, coisa de hoje. Sabemos. Mas confesso que até hoje nunca o tínhamos feito com tamanha minúcia. Desde que há céu e homens que o olhem, há a vontade de conhecer as estrelas. Na antiguidade serviam de guia nas viagens terrestres. Os árabes orientavam-se pelas estrelas quando as suas caravanas atravessavam os mares de areia. E quem não se lembra da estrela de Belém, que orientou os Reis Magos?
Nesta noite, que ia já alta, conhecemos constelações e estrelas a olho nu. E, com o olho no telescópio, ainda fomos à lua, navegamos os seus mares escuros e tivemos o privilégio de pousar os olhos sobre os anéis de Saturno.
– Uauuuu, eu não acredito que estou a ver outro planeta.
É verdade, Mia, são 2h da manhã e estás a ver outro planeta. É de madrugada e estás a aprender: às horas trocadas juntamos a troca do quadro pelo céu aberto – qual tela gigante -, o giz pelo apontador que se estende até à lua e as cadeiras rijas pelos pés assentes em chão firme, como se nos quisessem lembrar que é em Terra que estamos mas há muito para lá dela por descobrir.
Nesta noite, a tua curiosidade expandiu-se e ganhou uma dimensão espacial. Esta foi a tua primeira aula de astronomia e a contar pelo entusiasmo creio que terá sido apenas a tua primeira viagem pelas estrelas, pelas constelações, pelo infinito e mais além.
_______
Esta experiência de visualização do céu foi uma das muitas proporcionadas pelo Programa Nove Passos, Nove Concelhos pelas Terras de Trás-os-Montes, um projeto lançado pela Comunidade Intermunicipal (CIM) das Terras de Trás-os-Montes que pretende dar a conhecer a natureza da região, através de nove percursos temáticos sinalizados nos nove Municípios que integram esta CIM.
Em Parceria com a Associação de Bloggers de Viagens Portugueses (ABVP) fomos, juntamente com os The Wise Travellers, os dois blogues que tiveram o privilégio de integrar um desses passos, foi no Município de Mirandela que esta viagem pelos céus aconteceu.