O tablet escondido


menina mundo

Desaparecemos com o tablet desde a passada terça feira. Escondemo-lo bem escondido, para que a espertalhona não desse com ele. Não tomo a tecnologia por inimiga, não lhe tenho inimizade e, até sei, como a maioria das mães, que podemos socorrer-nos dela, de quando em vez, para ter dois minutos para responder ao email urgente ou para que o café não tenha de ser repartido em dez tomas.

Mas estava a incomodar-me a facilidade com que ela o pedia, com que ela já o manipulava. E prolongo isto para os telemóveis, para a rapidez com que desistia de um brinquedo para pedir o vídeo dela na praia. E o seu uso à refeição. Não era sempre, não era em todas, mas tinha por objetivo que fosse nenhuma, que fosse nunca (objetivo estabelecido e tomado a dois). Portanto, era por aqui que queria começar: nada de tablet no horário das refeições, nada de tablet à mesa, só nós e ela e os sabores.

Nesta decisão a dois, dávamos já por certo: que ela o pedisse, do jeito que ela o pede – com o corpo todo, a abanar braços e cinta para cá e para lá, como que dança a pedir música – e que nos olhasse com boquinha de beijos enquanto o faz; estávamos preparados para que ela esbracejasse e choramingasse, como todas as crianças saudáveis sabem bem fazer, quando não lhes respondemos, com prontidão, às vontades. E foi assim no primeiro dia, o que fizemos? Não, não a deixamos a chorar enquanto permanecemos sentados a repetir não. Não, não é pelo choro e pelo não que baseamos a nossa forma de educar, mas também não voltamos atrás na nossa decisão (que sabemos acertada e lhe passaria a mensagem errada), portanto tivemos de criar elementos que, naquele momento, a distraíssem do tablet, e isso inclui cantarmos nós, contarmos histórias, ouvirmo-nos – um ao outro – a criar contos de cabeça e recorremos aos livros e, acreditem, isto foi tão mais prazeroso do que mudar de música no tablet quando ela demostrava não gostar da que estava a passar.

Não se tratava, no nosso caso, de ter o tablet para que ela comesse melhor, é um problema que nunca tivemos e confessamo-nos solidários com os pais que o têm, porque sabemos que têm uma tarefa árdua em mãos. Também não se tratava de o levar quando íamos almoçar ou jantar fora, sempre que a plateia é grande ela está perfeitamente entretida, come, conversa com as palavras dos seus, agora 19, meses…portanto, era em casa, que ela o pedia, quando se lembrava, mas eu já não as conseguia contar pelos dedos das mãos.

Claro está, isto tem implicações também no nosso comportamento, portanto, também nós deixamos os telemóveis longe dos momentos à mesa, acredito sempre que dar o exemplo, no modo de estar e fazer, é a melhor forma de ensinar. Não seria justo negar-lhe o tablet e fazermos uso de um dispositivo semelhante enquanto comemos.

Percebemos que, se no primeiro dia o pediu nas várias refeições, o nosso ‘não há’ não foi bem recebido e nos tivemos de esmerar nos nossos números de entretenimento, ao terceiro dia pedia uma vez e bastava um ‘não há’ para avançar. Nos dois últimos dias não houve qualquer pedido (nem à mesa, nem fora dela) julgo que terá aprendido rapidamente a sua dispensabilidade.
E, no final das refeições, temos uma história (que usamos como reforço). Hoje falamos sobre o verão enquanto comíamos cerejas.

Serviu, no nosso caso, para nos termos apercebido de que o tablet estava – dia sim, dia não – a conquistar um lugar à mesa, sem um convite consciente nosso.

Estou curiosa para o por à frente dela, pousado pelo chão, junto com os seus brinquedos ou livros preferidos e ver no que pega, ficarei (ainda mais) feliz se não o escolher. Estou feliz – já -, por ter questionado a presença do tablet, à mesa ou fora dela.

Estamos encaminhados para nos livramos literalmente dele e não o levarmos connosco pelo mundo.


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5 thoughts on “O tablet escondido

  • Raquel Silva

    Olá professora Miriam, boa noite!
    Fui sua aluna no curso de criminologia na FDUP, já lá vão uns anitos,curso que interrompi ao fim de um ano, para ingressar em direito na mesma instituição, por ser o que realmente queria, embora o meu percurso académico seja um pouco mais longo, pois já tenho uma licenciatura, mas Direito é algo que quis cursar por motivo pessoal, isto para me apresentar um pouco, visto que subscrevi o blog com o maior prazer pois sou mãe de um pequeno com quase três anos e interessa-me imenso dicas para viajar pois eu também sou daquelas que já o quer vacinar contra tudo só para ir ao supermercado ☺️
    Pessoalmente, já não tenho televisão em casa (o aparelhos fisíco em si sim, mas os canais não, nem antena sequer, nem tdt nada, apenas um dvd e um velhinho leitor de cassetes) e não vejo televisão há quade 5 anos, não tenho facebook, e adoro o cheiro de um bom livro,é uma opção que me tornou uma pessoa muito mais feliz, por isso o meu filho está imune a publicidades e lixo tóxico televisivo, tento que veja a Heidi, os aristogatos e etc., relativamente às tecnologias, não lhe dei tablet, embora ele tenha a noção que há internet nisto e que o Noddy pode sair desta coisa é telemovel não tem o hábito de pedir, sei que vamos enfrentar uma era muito digital, que pegar num livro e sentir-lhe o cheiro, daqui a um século será talvez uma experiência quase tão mítica como um Safari, mas acho que temos de lhes passar esta ideia de convívio, sei que na Suécia há já terapias para país e filhos que dentro da MESMA casa precisam de reaprender a convider, ou até mesmo aprender! São maleitas do nosso mundo.

    Uma vez o Antonio Lobo Antunes disse que o maior legado que o pai lhe deixava era “o amor pelas coisas belas”, e isso temos de deixar aos nossos pequenos e pequenas.

    Tem uma escrita linda, para quando um livro de viagens? Num estilo Paul Theroux, era giro:)

    Um beijinho grande e boa sorte nessa vossa odisseia, vou acompanhar com atenção! Parabens pela coragem de serem felizes!

    • Mamã-Mundo Post author

      Olá Raquel,
      estou a fazer um esforço para me lembrar de si…mas em vão, sou péssima para caras e, pelo que percebi da sua mensagem, só esteve o primeiro ano em criminologia, o que torna a minha memória fotográfica ainda mais falível.
      Gostei tanto dessa partilha, a anulação da televisão é o nosso próximo objetivo, que será concretizado durante a viagem, e o vosso exemplo é inspirador, 5 anos é tremendo. Parabéns. E compreendo esse gosto pelos livros, pelo seu cheiro e folhear. De tudo o que a Menina-Mundo prefere, os livros estão logo a seguir a nós ;). Lemos e relemos e recriamos a história, quando já a sabemos de cor.
      As tecnologias podem ser usadas para o bem e para o mal e muitos preferem normalizar o seu uso (afinal todas as crianças usam) e minimizar (são poucas vezes), quando isso tem tendência par crescer e se intensificar. Mas talvez, pelo menos a curto prazo, fazê-lo os apazigue. Por isso, não me surpreendem essas novas terapias, aliás, os problemas de comunicação entre pessoas sob o mesmo teto não vêm de hoje, as novas tecnologias poderão tê-lo vindo agravar.
      Muito obrigada pelas generosas palavras, o livro está nos meus planos – naqueles que trato por sonhos – e como acredito que os sonhos nos orientam a vida e os passos, gosto de acreditar que um dia o terei entre mãos, para cheirar e folhear.
      Parabéns também, pela coragem e decisões que vos tornaram mais felizes. Um grande beijinho, e cá nos encontramos neste gosto pelas viagens e pela educação (e amor) pelas coisas belas.

      • Raquel Silva

        Boa noite:)
        Estive no curso em 2011/2012, já passou algum tempinho, mas se a vir pela Faculdade, eu denuncio-me
        A decisão de abolir a televisão não foi nada fácil, de repente apercebi-me de como ela era aquele “parente” falador que quando se ausenta deixa um silêncio que achamos ser nocivo.
        Aconselho efectivamente a “cortar o mal pela raiz” neste caso a antena, para não cair na tentação de ” ligar só um bocadinho”, mais ou menos como aqueles chocolates que não podemos comprar porque vamos efectivamente comê-los!
        Já me aconteceu de tudo: pessoas que se recusam a passar um fim-de-semana comigo porque não tenho televisão, pessoas que recusam um bom convivío à roda de uma mesa, entre sorrisos e aprendizagens mútuas, porque “fulana vai-se casar” hoje à noite na telenovela(!), pessoas que recusam a ouvir uma opinião diferente da que o Dr. Televisão dá, ou sejam, capacidade crítica reduzida a zero. Cada um gere a sua vida como quer, mas eu optei por me livrar dela de vez, e confesso que se estou em casa de alguém e o dito aparelho não se cala, começo a ter ataques de pânico se se livrarem da televisão tenho a certeza que ao fim de uma semana, já se sentem como o
        Brad Pitt nos “7 anos no Tibete”!!
        Temos de ensinar coisas importantes às nossas crianças, e não são aplicações da AppStore que o vão fazer, elas não precisam de saber as teorias macroeconómicas nem a raiz quadrada, precisam de ter a oportunidade de saber o que as torna humans, de amar a chuva, o vento, os animais, não ter medo das emoções, não serem como
        Pablo Neruda tão bem escreveu “prisionero con la puerta abierta”, precisam de saber que as batatas não são feitas pelo Continente (conheci um menino que achava que sim!!!), são coisas que um clique não consegue abarcar, a ficção científica, tem-nos alertado para o facto que nos estamos a desumanizar, é um processo muito perigoso.
        Fico contente por ver que a Mia vive num lindo mundo cor-de-rosa, é tão bom isso, a magia de poder ser criança, de acreditar nas fadas, na Alice do País das Maravilhas, na sabedoria dos seres vivos, isso vai torná-la um ser humano mais especial, mais completo, as crianças hoje em dia sabem coisas que ainda não deviam saber, acham ridículas certas crenças infantis tão bonitas, tão ingénuas, isso deixa-me triste, nós temos que lhes deixar um legado de bondade, acima de tudo, não é premissividadade,mas bondade.
        Já me alonguei de mais, peço desculpa, este verão planeio em família, a partir de S.Jean du Pied, iniciar uma viagem que no cerne é religiosa, mas para mim é mais espiritual, de reflexão, de pensar no que devemos fazer com o tempo que nos é concedido, rumo a São Tiago de Compostela, vamos lá a ver se se concretiza!
        O livro de viagens tem de se tornar realidade, as vossas escritas são feitas de letras e imagens, viajamos convosco quando vos lemos e isso é óptimo!
        Como gostam de viagens, atrevo-me a sugerir ( caso já não conheçam) 4. filmes que me marcaram muito: Away we Go, The Way, Into the Wild, Eat Pray Love.

        Beijinhos grandes

  • Luisa Carolina

    Mia sortuda: sentirá o papel dos livros, molhará os dedos para passar-lhe as páginas e sentirá aquele cheirinho que só os livros têm.
    Nada de coisas digitalizadas que retiram-lhe toda a fantasia.
    Nem os adultos que adoram um eletrônico gostam mais desta coisa: andam a colorir livros de papel, aqueles de verdade. 🙂
    Parabéns, professora. Elogiá-la pela medida é, como dizem por aqui, “chover no molhado”, já que enquanto psicóloga sabes o quão bem fez – e fazes – à menina.
    Um beijinho de quem prefere o método “Neandertal” de leitura e interação! hehehehe.

    • Mamã-Mundo Post author

      Colorir livros de papel, é verdade Luisa, não sabia que também era moda aí no Brasil, acho que é o regresso ao contacto com o papel, numa era em que o touch digital domina. Muito obrigada pelas palavras, sim, sei bem o quanto é para o bem dela e isto é só um primeiro caminho nos nossos objetivos.
      Este teve sucesso em dias: como queríamos, não queríamos um ‘é raro’ ou ‘quase nunca’ são conceitos relativos (e dependem do termo de comparação), o objetivo era zero tablet – à mesa, fora dela -, e apesar de terem passado apenas 8 dias, já não há nenhum pedido ou manifestação de vontade. 🙂